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O ponto de convergência em que duas paredes perpendiculares encontram o plano horizontal do teto: um canto. Talvez justamente pelo hábito de seguir as linhas, que parecem correr para o encontro, que esses pontos atraem nossos olhos. É comum, se estamos em casa sozinhos, em silêncio ou com música, que mais de uma vez nos peguemos olhando para os cantos. Principalmente se pensamos em coisas que ainda não existem e não se podem olhar.

As fotografias que Fabio Kneese Flaks apresentou na mostra coletiva do Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo mostravam esses cantos. Retirados do contexto, ampliados e emoldurados, os cantos do quarto podiam ser de qualquer lugar. As imagens são agrupadas de maneira a constituir sólidos, ambientes ilusórios. Sem referência de escala, os detalhes parecem tornar-se um espaço completo. Lado a lado, os cantos constroem salas vazias e sem nenhuma janela, como as que costumam esperar-se dos museus e galerias. As imagens sugerem uma passagem direta, quase uma equivalência, entre o espaço interno, doméstico e anônimo dos cantos do quarto e o espaço expositivo, público e carregado de sentido do chamado cubo branco.

"Cubo branco" é também o nome de um projeto em que Flaks pinta quadrados brancos no encontro entre o plano da rua e o do meio-fio, entre a superfície da calçada e a das fachadas, em paredes e degraus externos. Os quadrados reluzentes que se encontram acentuam esses cantos, esses inversos de quina, e delimitam no vazio o espaço vazado onde encaixar um cubo, com a vista. Mais uma vez, a partir de uma operação simples, o artista ativa um espaço anônimo e o conecta aos ambientes reservados e protegidos das instituições dedicadas a expor arte.

Esse jogo entre o interno e o externo, entre o doméstico e o público, está também presente na série que Fabio Flaks mostra agora. O espaço interior de móveis diversos recebe o tratamento e o acabamento que se costuma dedicar a paredes e painéis. Masseados, lixados e pintados de branco, armários, estantes e gavetas apresentam-se como se tivessem sido feitos do mesmo material e com a mesma finalidade das paredes da sala onde podem ser vistos. O olho não reconhece diferença entre a superfície guardada pelos móveis e aquela que recobre o espaço arquitetônico.

Parece trata-se de territórios contíguos. Como se uma passagem secreta e imediata levasse do momento inicial em que projetamos nos cantos do quarto uma ideia incipiente ou do interior da gaveta de rascunhos guardados, da página em branco, do papel em branco, da tela branca pronta antes do uso, diretamente e sem desgaste, até a parede branca e os remendos de massa que cobrem marcas de pregos anteriores, aos painéis brancos e recém-pintados, esperando pelo uso.

Carla Zaccagnini

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