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O vazio se constrói pelas bordas; Não é mera ausência de matéria, se requer limites para a contenção do que se chama de “nada”. Mais do que isso, campos imediatamente identificados como vazios nas imagens que compõem esta mostra de Fabio Flaks são áreas preenchidas, ocupadas, cobertas, indisponíveis, claustrofóbicas. Mesmo as representações de ausência reiteram, com marcas do tempo, presenças anteriores.

A série de fotografias intitulada Pintura registra os sinais deixados na parede por quadros que saíram de seus lugares depois de anos. A ampliação dos instantâneos em tamanho real deixa nítidos pregos, buracos sem pregos, a rugosidade da parede e o contorno das molduras onde se concentra o acúmulo de pó. Sobre a imagem da falta de uma pintura, prevalece outra, da memória de um quadro que não se pode ver e que permaneceu numa única posição tempo suficiente para gravar ali sua silhueta. Por isso, bastam-lhe as margens.

Nos trabalhos realizados com folhas pautadas de caderno, também existe um suposto apagamento de informações, que o artista insinua tê-las jogado nos títulos. São desenhos feitos com massa corrida e tinta acrílica preenchendo, com exatidão, a área entre duas ou mais linhas, de uma à outra margem do suporte. O campo cego de cada folha imita a superfície de uma parede, erguida, aqui, para obstruir o que seriam as anotações de agenda que nomeiam peças como Ver preço 18,00 fazer foto e Quarta 11:00 5º andar tentar alternativa. O resto da folha preserva as pautas sem uso, enquanto a área revestida de matéria faz-se passar por vão, como se o espectador pudesse ver a parede onde a moldura está através de um pedaço recortado do papel.

O mesmo descontentamento com o vácuo da rotina é manifesto no título da pintura When routine bites hard, a primeira frase entoada na música Love will tear us apart, do grupo do pós-punk inglês Joy Division. A tela reproduz, com a fidelidade possível, um fotograma do videoclipe desta canção, em operação que paralisa e cala o sentido de origem da peça promocional. A outra pintura da mostra, Vago, traz no centro um espaço compacto e firme que exerce, na composição, a função de um campo vazio. O “tema” da imagem é uma verga, a viga que se apóia nas ombreiras das portas. Na parte inferior da tela, existem indicações de livre passagem, a porta aberta, com um corredor a seguir e um campo de profundidade... A despeito destes significados que são exteriores à cena, a vista repousa é no branco chapado e luminoso da viga. Nova pista de que o vazio não significa uma possibilidade para o corpóreo nesta mostra. Se existem cantos vagos por aqui, estes são destinados somente a projeções.

O Espaço, por exemplo, representa um ambiente desolador com densidade que o torna opressivo. O desenho se constitui de 98 folhas de papel que, agrupadas na parede, compõem a perspectiva de um espaço arquitetônico desocupado, sem porta nem janela, como costumam ser as salas expositivas de museus e galerias. A imagem é um negativo do “cubo branco”, com uma figura que não surge exatamente da fricção do grafite sobre o suporte, mas das linhas brancas não preenchidas pelo lápis. O contorno de paredes, teto e piso é a única área intacta das folhas; todo o resto foi rabiscado. Dito de outro modo, o labor do artista, materializado em gestos repetidos numa grande área, não integra as arestas que realmente estruturam o ambiente. Talvez porque as condições de trabalho nos dias de hoje estejam rebaixadas demais, apesar de o vazio ter limites.

José Augusto Ribeiro

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